11 de outubro de 2013
Fonte: IHU On-Line
A determinação do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região de paralisar as obras da usina hidrelétrica
de Teles Pires está relacionada à falta do Estudo do Componente
Indígena – ECI, apesar da Licença Prévia para a construção da hidrelétrica ter
sido concedida pelo Ibama em 2010. De acordo com Telma Monteiro, “o Ibama
emitiu a Licença Prévia e a Licença de Instalação sem o ECI, que deveria ser
parte integrante do EIA/RIMA”.
Telma explica que, em 2008, ano em que se
iniciou o processo de licenciamento da hidrelétrica, “foi solicitado que se
verificasse e apontasse a existência de populações indígenas na região do
empreendimento. No entanto, o estudo e a caracterização das terras indígenas,
de grupos, comunidades étnicas remanescentes e aldeias não foram, até hoje,
devidamente analisados”. E acrescenta: “Há uma lacuna no Estudo do Componente
Indígena – ECI que deve ser feito pelo empreendedor e apresentado à Funai”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU
On-Line por e-mail, Telma esclarece quais são os principais equívocos em torno
da construção da hidrelétrica e chama a atenção para o trecho do rio Teles
Pires onde será construído o reservatório da usina. Na avaliação dela, o local
é “mal estudado”, uma vez que a “área é constituída por ambientes naturais
preservados, em especial nas encostas que desaguam no rio. O canteiro de obras,
a barragem e as demais estruturas já começaram a induzir ao desmatamento e à
ocupação irregular”.
Telma Monteiro é especialista em análise
de processos de licenciamento ambiental e coordenadora de Energia e
Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por quais razões o Tribunal
Regional Federal da 1ª Região determinou a paralisação da usina de Teles Pires?
Telma Monteiro – A determinação se deu em
função do pedido do Ministério Público Federal em conjunto com o Ministério
Público do estado de Mato Grosso para suspender o licenciamento ambiental e as
obras da Usina Hidrelétrica Teles Pires até que seja realizado o Estudo do
Componente Indígena – ECI.
Para o desembargador Souza Prudente, o
Ibama emitiu a Licença Prévia e a Licença de Instalação sem o ECI, que deveria
ser parte integrante do EIA/RIMA. Há, também, outra ação em tramitação,
anterior a essa, mostrando que não houve a consulta prévia, livre e informada
aos povos indígenas que sofrerão os impactos do empreendimento, violando assim
o artigo 231 da Constituição Federal e o artigo 6º da Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Os ministérios públicos pediram a
paralisação sob o argumento de que o ECI é o documento que considera os
significativos impactos específicos nas comunidades indígenas e as consequências
da destruição das corredeiras Sete Quedas, no rio Teles Pires, consideradas
patrimônio sagrado.
Mas, no dia 26 de setembro passado, a
decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski,
derrubou a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) e mandou
que as obras fossem retomadas. Como tem acontecido ao recorrer das decisões que
atendem ao pedido do MP, a Advocacia Geral da União – AGU alegou que parar a
UHE Teles Pires acarretaria “grave lesão à ordem econômica” e “desequilíbrio no
mercado de distribuição de energia elétrica”. Esse argumento também é
recorrente.
IHU On-Line – Como avalia o estudo de
impacto ambiental (EIA/RIMA) da Usina de Teles Pires? Quais as falhas do
estudo?
Telma Monteiro – A falha nos estudos
indígenas é um exemplo grave. Em 2008, início do processo de licenciamento da
UHE Teles Pires, foi solicitado que se verificasse e apontasse a existência de
populações indígenas na região do empreendimento. No entanto, o estudo e a
caracterização das terras indígenas, de grupos, comunidades étnicas
remanescentes e aldeias não foram, até hoje, devidamente analisados. Há uma
lacuna no Estudo do Componente Indígena – ECI que deve ser feito pelo
empreendedor e apresentado à Funai.
Outro problema mal estudado é o trecho do
rio Teles Pires onde pretendem fazer o reservatório. A área é constituída por
ambientes naturais preservados, em especial nas encostas que desaguam no rio. O
canteiro de obras, a barragem e as demais estruturas já começaram a induzir ao desmatamento
e à ocupação irregular.
Outra questão que tem sido
insistentemente apontada nas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério
Público, que o judiciário tem ignorado, é a necessidade de um estudo dos
impactos sinérgicos e cumulativos decorrentes da construção de uma sequência de
barragens no rio Teles Pires. Os efeitos desse conjunto acabam mascarados com
os procedimentos individualizados de licenciamento ambiental.
O próprio Ibama, responsável pelo
processo de licenciamento e concessão das licenças Prévia e de Instalação da
UHE Teles Pires, já havia apontado a relação com o projeto da UHE São Manoel, a
jusante (rio abaixo). A região não é antropizada e apresenta uma paisagem com
extensas áreas de florestas e espécies vegetais que podem sofrer com a
inundação permanente provocada pelos empreendimentos.
Enfim, os impactos negativos e mal
dimensionados nos estudos, na verdade, são recorrentes em todos os projetos
hidrelétricos que estão sendo licenciados. Problemas sérios continuam sendo
tratados com displicência, como a questão indígena, as alterações na qualidade
da água, nos hábitats aquáticos e terrestres, nas populações de fauna
terrestre, na pesca artesanal, no turismo, apenas para citar alguns. Comentar e
apontar as falhas nos estudos ambientais de projetos hidrelétricos em andamento
é um trabalho hercúleo, que necessitaria o espaço de alguns volumes escritos.
IHU On-Line – Como está o processo de
construção de Teles Pires?
Telma Monteiro – As obras continuam e os
impactos também. Apenas para relembrar o processo, a Licença Prévia foi
concedida pelo Ibama em dezembro de 2010. Em julho de 2011 o Contrato de
Concessão foi assinado, e em 19 agosto o Ibama concedeu a Licença de Instalação
que permitiu que as obras iniciassem imediatamente, no dia 22 de agosto de
2011.
Basta acessar as imagens das obras da UHE
Teles Pires na internet para ter uma ideia da dimensão do estrago. A floresta é
destruída sem cerimônia e deixa exposta a terra nua e vulnerável à mercê das
máquinas que a farão sangrar. O rio Teles Pires, maior vítima até agora, e seu
mundo submerso começam a dar sinais de sofrimento. Então, o que há para dizer
mais? As palavras já não bastam para descrever tanta insensatez.
IHU On-Line – De que maneira Teles Pires
impacta as comunidades indígenas Munduruku e Kayabi?
Telma Monteiro – Já bem antes da
concessão das licenças, os impactos começaram para os indígenas Kayabi e
Munduruku. A presença de pesquisadores, de trabalhadores que perfuram o solo,
abrem picadas na mata já é o prenúncio da tempestade. A paz acabou para eles,
pois as alterações das águas e da pesca com o início das obras, as explosões de
rochas, a movimentação de terra e a presença de estranhos no entorno de suas
aldeias conduzem ao estresse social e cultural.
Imagine, por exemplo, o grau de conflito
que leva a presença de trabalhadores da construção civil contratados para
construir um posto de saúde numa aldeia isolada. Não é preciso ser antropólogo
para apreender as dimensões dessa intromissão na vida familiar, na cultura e no
hábitat dos povos indígenas.
Há ainda outros problemas graves com o
assédio a que eles têm se submetido no sentido de negociar e aceitar as
chamadas compensações. Nem a consulta prévia a que os povos indígenas têm
direito, conforme a Convenção 169 da OIT da qual o Brasil é signatário, está
sendo respeitada. Os seus direitos não estão sendo respeitados. Não bastasse
tudo isso, a área das corredeiras Sete Quedas, local sagrado dos indígenas,
será destruída. Esse impacto foi objeto de ação ajuizada pelo MPF.
IHU On-Line – Como você avalia o debate
acerca da construção de hidrelétricas de reservatório e de fio d’água? Num
primeiro momento, o governo defendeu a construção de hidrelétricas a fio
d’água, mas depois voltou atrás, dizendo que as de reservatório garantem a
sustentabilidade energética. O que está por trás de cada projeto?
Telma Monteiro – Desde que os primeiros
projetos hidrelétricos da era Lula foram negociados na Amazônia, o discurso da
hidrelétrica a fio d’água tem sido uma espécie de canto da sereia. O
reservatório, na teoria, ocuparia apenas o leito do rio no seu nível mais alto
e não haveria impactos ambientais. No entanto, os idealizadores desse conceito
omitem o fato de que as cheias na natureza são sazonais e o rio de planície é
como um grande pulmão que se enche de ar e depois o expele. Essa é a dinâmica
que mantém a vida dos igarapés, das ilhas, das margens.
Áreas que só estariam inundadas em uma
determinada época do ano ficariam permanentemente inundadas com o reservatório
a fio d’água, criando uma alteração no ecossistema que ainda não foi estudado.
Outros problemas já estão ocorrendo no rio Madeira, com a construção das
hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, mesmo com os reservatórios a fio d’água. O
impacto das águas dos vertedouros da UHE Santo Antônio que estão destruindo a
margem direita do rio Madeira ainda está sem solução. Isso não foi sequer
previsto nos estudos, pois é inédito.
O que, então, nos reservará de surpresas
a construção desse conjunto de usinas no rio Teles Pires?
IHU On-Line – Ao comentar o caso da
licença ambiental de Pai Querê, indeferida pelo Ibama, você assinala que os
projetos hidrelétricos têm os mesmos impactos, mas recebem tratamento
diferenciado pelo Ibama. Por que isso acontece?
Telma Monteiro – Já não é a primeira vez
que o Ibama usa de dois pesos e duas medidas em licenciamento de hidrelétricas.
Além de Pai Querê, conheço outro caso, a UHE Ipueiras, no estado do Tocantins,
em que o Ibama decidiu pela inviabilidade do projeto, pois ele produziria
impactos irreversíveis à biodiversidade do Bioma Cerrado.
O parecer técnico de Ipueiras data de
setembro de 2005, e a conclusão descreve os impactos em 84 mil hectares de
vegetação nativa em ótimo e bom estado de conservação. A ictiofauna do rio
Tocantins seria irreversivelmente comprometida. E como fica a biodiversidade
dos rios Teles Pires, Tapajós, Xingu, Madeira?
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Telma Monteiro – Sim. Os responsáveis
pelos empreendimentos hidrelétricos têm demonstrado absoluto descaso para com
os impactos sobre os povos indígenas. Como já afirmei muitas vezes, os impactos
começam com a notícia de que haverá estudos e pesquisadores nas comunidades.
Isso vira uma bola de neve e o ECI só
aparece depois das audiências públicas, quando na verdade ele deveria ser parte
integrante do EIA/RIMA. Esse descaso resulta em acirramento de conflitos,
aumento dos custos do projeto e atropelo do licenciamento ambiental.
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